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Assistentes sociais no enfrentamento à violência sexual contra criança e adolescentes
22 de maio de 2020
ASCOM CRESS/MA

 

FONTE: CFESS

 

Casos podem aumentar em razão da pandemia do Coronavírus. Rede de proteção é essencial.

 

Imagem mostra criança negra no canto de um cômodo, acuada, escondendo o rosto. Atrás dela uma sombra de um homem. Uma janela mostra casas de favelas. No canto oposto, o texto Serviço Social no Combate ao Abuso de Crianças e Adolescentes

(arte: Rafael Werkema/CFESS)

 

 

Nesta semana, movimentos sociais e diversas entidades do Brasil que atuam na Proteção da infância e Juventude destacaram o Dia Nacional de Combate ao Abuso Sexual de Crianças e Adolescentes (18/5).

 

O Disque 100 registrou em 2019 que 11% do total das 86.837 denúncias de violações de direitos humanos contra crianças e adolescente no Brasil se referiam à violência sexual. Ou seja, quase 10 mil casos de violações.

 

A defesa dos direitos de crianças e adolescentes é uma bandeira histórica do Serviço Social brasileiro, haja vista as demandas que aparecem nos atendimentos à população, a participação de assistentes sociais em movimentos e fóruns pela proteção integral à infância e adolescência e a atuação da categoria em espaços como os conselhos de direitos (Cedeca, Conanda).

 

“Estamos inseridas em instituições não governamentais, filantrópicas e em diversas instâncias governamentais e do Estado. Trabalhamos nos Centros de Referência Especializado em Assistência Social (Creas), Varas da Infância e Adolescência, instituições de acolhimento, equipamentos de saúde, assessoria a conselhos tutelares e em diversos outros espaços, para atender crianças, adolescentes, jovens e suas famílias. É por meio das políticas sociais, que deveriam assegurar atendimento a muitas das necessidades de grande contingente da população brasileira, que atua grande parte da nossa categoria”, explica a assistente social Daniela Möller, conselheira e representante do CFESS no Movimento pela Proteção Integral de Crianças e Adolescentes.

 

No contexto da Pandemia, onde o isolamento social é uma necessidade, os casos de violência sexual contra crianças e adolescentes podem aumentar, conforme divulgado em matéria pela Agência Brasil (20/5/2020), que traz o relatório governamental da ONG Visão Mundial (World Vision).

 

De acordo com o documento, estima-se que até 85 milhões de crianças e adolescentes, entre 2 e 17 anos, poderão se somar às vítimas de violência física, emocional e sexual nos próximos três meses em todo o planeta, aumentando em até 32% a média anual.

 

“Sabemos que a violência é caracterizada por uma relação de força, uma relação hierárquica assimétrica de dominação, exploração e opressão que desconsidera o ser humano como sujeito e o trata como objeto, como aponta Marilena Chauí. E os dados de 2019 do Disque 100 apontam que 73% das violações contra crianças e adolescentes ocorrem na casa da própria vítima ou do suspeito. Então, com o isolamento, existe sim a possibilidade de esses números aumentarem em 2020 no Brasil”, aponta Daniela.

 

Segundo ela, é preciso estar alerta não só para aumento do número de casos, mas também para alguns discursos por vezes propagados na sociedade, de cunho moral, patologizador e de reforço a respostas criminalizadoras.

 

“Acontecimentos de grande repercussão pública nos anos recentes e pesquisas sobre este tema indicam que grande parte da população acredita que a recorrência das situações de abuso sexual ocorrem, de um lado, por falta de cuidados e de irresponsabilidade de quem foi vítima da violência, e de outro, porque existe uma sexualidade que está fora dos padrões, que é doentia e criminosa em uma parcela dos homens na sociedade”, destaca a conselheira.

 

Como exemplo, ela resgata um caso de 2016, em que uma adolescente foi estuprada por 33 homens, que filmaram o ato que depois veio a público em reportagens na televisão. À época, a adolescente descreveu ter sido julgada e atacada por diversas pessoas nas redes sociais de forma discriminatória e preconceituosa, sendo culpabilizada.

 

Outro caso foi a criação, ainda em 2008, da chamada ‘CPI da pedofilia’, que gerou um espetáculo onde a violência sexual aparecia como uma exceção e anormalidade de alguns homens que passavam pelo julgamento público.

 

“O que vimos foi um tipo de resposta social que é a busca pelos culpados (mesmo que isto exponha e recaia sobre as vítimas) e a ausência de debates referentes aos processos sociais que produzem e reproduzem as relações sociais existentes”, comenta.

 

Para Daniela Möller, esse tipo de explicação sobre o fenômeno da violência sexual ignora o lugar que é atribuído a mulher na sociedade, os padrões de masculinidades pautados na ideia de dominação e a cultura da estupro. "Nós vivemos em uma realidade em que temos que reafirmar que o casamento infantil não é normal. Que não toleramos que uma criança ou adolescente seja considerada como um objeto de desejo ou de consumo e chamada de 'novinha'. Mas compreender que vivemos em uma sociedade em que crianças e adolescentes têm seus corpos erotizados por adultos, pela mídia, pelo  mercado cultural, e que estas situações estão relacionadas ao modo de produção e reprodução das relações sociais em que vivemos. Então, não cabe à categoria apontar respostas moralizantes que desconsideram a vida concreta das pessoas envolvidas e acabam, muitas vezes, por revitimizá-las”, completa.

 

E é esse o debate que o Serviço Social vem fazendo, para além de procurar a responsabilização individual como forma de enfrentamento à violência sexual de crianças e adolescentes, é preciso que os direitos fundamentais sejam assegurados para sua proteção social e integral, como o atendimento de saúde, de saúde mental, da convivência familiar e comunitária, mesmo que em família extensa, dentre outros. 

 

Imagem mostra criança negra no canto de um cômodo, acuada, escondendo o rosto. Atrás dela uma sombra de um homem. texto traz o dado de que 87% dos abusadores são homens

(Dados: Relatório Disque 100 | Arte: Rafael Werkema/CFESS)

 

 

Elementos para o exercício profissional

Assistentes sociais trabalham com dados e informações, além de estudos e pesquisas. Então, para além dos instrumentos legais (como o Estatuto da Criança e do Adolescenteo Código de Ética, entre outros), a categoria deve estar atenta às pesquisas e estudos, como o relatório do Disque 100, para contribuir ainda mais no enfrentamento a esse tipo de violência.

 

De acordo com o documento, a violência sexual contra crianças e adolescentes é cometida por pai ou padrasto em 40% das denúncias; o suspeito é do sexo masculino em 87% dos registros; a vítima é adolescente, entre 12 a 17 anos, do sexo feminino, em 46% das denúncias recebidas.

 

“Importante também aprofundarmos em estudos sobre a cultura do estupro na nossa sociedade, que sobre o lugar que é atribuído a mulher, os padrões de masculinidades pautados na ideia de dominação e a cultura do estupro”, explica.

 

Nesse sentido, Daniela Möller ressalta o documento do Ipea “As atualizações e a persistência da cultura do estupro no Brasil (2017)”, que aborda de maneira didática esta temática. “O texto aponta que a mulher é vista como o polo passivo e o homem como polo ativo, e que a negativa para a relação sexual entre ambos seria parte do jogo, de tal modo que insistir para dominar a mulher seria considerado “normal”. Não é à toa que mais recentemente um outro movimento de protesto despontou nos movimentos de mulheres, com a campanha Não é não!”, contextualiza.

 

“Sabemos que a denúncia não é uma questão simples. Já não eram simples antes mesmo da pandemia da Covid-19, mas agora são agravados pelo isolamento e também por condições que impõem muito mais limites as formas de enfrentamento conhecidas até então. Isso porque, com a suspensão das aulas escolares presenciais, as próprias crianças e adolescentes acabaram distantes de um local onde acabam encontrando pessoas externas ao ambiente doméstico e em quem confiam para falar deste tipo de situação”, destaca a conselheira do CFESS.

 

Segundo ela, é preciso conhecer e fortalecer a organização dos serviços da chamada ‘rede de proteção’ para que, frente ao contexto onde todas as preocupações estão voltadas à Covid-19, os serviços de atendimento a pessoas em situação de violência sejam ofertados.

 

O Disque 100, os conselhos tutelares, os Creas, as delegacias policiais e também as polícias rodoviárias, além de agentes notificadores das unidades de saúde e dos serviços hospitalares que atendem crianças e adolescentes, são parte dessa rede de proteção.

 

Imagem mostra ilustração de crianças abaixo de um emaranhado de pessoas que representam as políticas de proteção em contraposição ao viés de criminalização

(arte: Rafael Werkema/CFESS)

 

 

‘Depoimento especial’ e ‘escuta especializada’

Quando se fala em enfrentamento ao abuso sexual contra crianças e adolescentes, o tema da ‘escuta especializada’ vem à tona.

 

O CFESS lançou no ano passado nota técnica sobre ao assunto. Essa pauta também foi amplamente debatida no 3º Seminário Nacional O trabalho do/a assistente social no Sociojurídico.

 

A Lei 13.431/2017, que estabelece o depoimento especial e a escuta especializada, conceitua essas duas modalidades da seguinte forma: Art. 7º –  Escuta especializada é o procedimento de entrevista sobre situação de violência com criança ou adolescente perante órgão da rede de proteção, limitado o relato estritamente ao necessário para o cumprimento de sua finalidade; Art. 8º – Depoimento especial é o procedimento de oitiva de criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência perante autoridade policial ou judiciária

 

“Ao olharmos esses dois artigos, vamos ver que o 'depoimento especial' é aquele realizado nas delegacias e nos Tribunais de Justiça com a finalidade de fazer uma oitiva, de tomar um depoimento, ou seja, tem como objetivo instruir uma investigação policial ou apuração de processo criminal. Já a escuta especializada é procedimento da rede de proteção limitado ao estritamente necessário ao cumprimento de sua finalidade”, explica Daniela.

 

A conselheira ressalta que “a finalidade da rede de proteção é identificar as necessidades da população e os meios para seu atendimento. No momento em que vivemos então, em que o isolamento e o distanciamento é a regra, é essencial e prioritário assegurar essas condições para que a população se sinta segura para procurar os serviços, que terão assegurada o sigilo das informações da sua vida privada, que haverá atenção a suas condições de sobrevivência para enfrentar o contexto de violência, entre outras questões”.

 

Segundo Daniela Möller, se uma mulher sai com seus filhos à procura de um serviço de acolhimento, para escaparem de um contexto de violência doméstica, e não encontra esse serviço, ela pode correr o grande risco de ficar em uma situação ainda maior de vulnerabilidade, à medida que se expõe e não encontra respostas, tendo que voltar a conviver com o agressor, e ainda corre o risco de ter sido contaminada pelo Coronavírus, ao sair para procurar por um serviço de atendimento. 

 

“Ao identificarmos questões de ausência de serviços, a relação com os órgãos do sociojurídico deve ser pautada pela informação dos direitos sociais e humanos que não estão sendo assegurados pelo Estado no enfrentamento a violência. Esses órgãos não têm apenas o dever de perseguir criminalmente os agressores, mas de recomposição dos direitos violados pelo próprio Estado”, reforça.

 

Para finalizar, ela reforça que as equipes de profissionais precisam discutir essas intervenções coletivamente, forjando entendimentos e defesas que extrapolam posicionamentos individuais. “Essa perspectiva não apenas recupera a dimensão dos investimentos necessários, mas também aponta para a direção dos serviços e atendimentos a população”, conclui.

 

Para saber mais

 

Relatório Disque 100 – Dados de 2019

 

Relatório da ONG Visão Mundial (World Vision)

 

As atualizações e a persistência da cultura do estupro no Brasil (2017)

 

 

 

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