Eu vejo o futuro repetir o passado
Eu vejo um museu de grandes novidades
O tempo não para
Não para, não, não para
(Cazuza)
O anúncio da primeira-dama como embaixadora voluntária do Programa Criança Feliz pelo governo ilegítimo, na quarta-feira (5/10), resgata com força elementos históricos que, neste momento, fortalecem ondas conservadoras que atingem visceralmente a classe trabalhadora: a negação do direito social, a desprofissionalização das políticas sociais e a condição subalterna da mulher.
O primeiro significado deste ato consiste no deslocamento do direito social para uma ode à filantropia, ao voluntariado e à solidariedade indiferenciada. Busca-se fortalecer o reino das virtudes como diretriz central no atendimento às necessidades da classe trabalhadora dentro da “ordem e progresso” em diferentes políticas sociais, tais como assistência social, saúde, educação. Busca-se, equivocada e propositadamente, desmontar o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e deslocar a assistência social, tardiamente reconhecida como direito social, para o campo do clientelismo, do assistencialismo, da solidariedade mecânica e, portanto, do não direito.
O segundo corresponde à opção escancarada da desprofissionalização das políticas sociais. Historicamente, tem sido evidenciado que a chamada boa vontade é não apenas insuficiente para intervir no conjunto de desigualdades de classe, gênero, raça, entre outras, mas, sobretudo, um elemento estratégico no campo conservador dirigido ao disciplinamento da força de trabalho e o arrefecimento de sua rebeldia. Conceber e implementar direitos sociais exige trabalhadores/as qualificados/as e com condições adequadas de trabalho! E nós, assistentes sociais, somos parte desses/as importantes trabalhadores/as da assistência.
Assistentes sociais têm contribuído nas lutas em defesa de diferentes direitos sociais, bem como na construção e execução de políticas sociais, a exemplo da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) e do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). A nossa qualificação teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa nos permite desvendar criticamente a realidade e, com isso, propor uma intervenção crítica e criativa sintonizada com as demandas da população usuária. Isso é absolutamente o oposto de práticas regidas pela boa vontade e pela caridade, e diferencia ações individuais, assistemáticas e emergenciais de ações pautadas na lógica do direito social!
O terceiro sentido deste ato do governo ilegítimo reside no reforço do papel tradicional da mulher em uma sociedade patriarcal. Reforça uma suposta responsabilidade e instinto feminino no cuidado do lar, da família, em especial das crianças. Papel este que tem submetido as mulheres da classe trabalhadora às múltiplas e extenuantes jornadas de trabalho (remunerado e/ou não remunerado) e às profundas desigualdades na divisão sexual do trabalho, no racismo, nas relações de poder e na apropriação privada da riqueza.
Por fim, como podemos pensar em “criança feliz”, se historicamente crianças e suas famílias compõem uma classe trabalhadora cada vez mais expropriada de suas condições de vida? Como projetar esta felicidade diante do desemprego e/ou subemprego de homens (pais) e mulheres (mães), das ausências de vagas em creches públicas, do sucateamento das escolas públicas, do não acesso à cultura e lazer, da precarização da saúde, da confusão entre assistência social e filantropia, da insegurança alimentar, da deterioração das condições e relações de trabalho dos/as trabalhadores/as das políticas sociais, da responsabilização exclusiva da mulher no cuidado com o lar e filhos/as, da criminalização da pobreza e movimentos sociais?
Não se trata da felicidade das crianças! A concepção deste programa, com a face mais conservadora e tradicional do primeiro damismo, do voluntarismo e do papel da mulher na sociedade patriarcal, adensada por outros “golpes”, dirigido aos/às trabalhadores/as, é uma das expressões da felicidade individual e egoísta do grande capital em sua busca incessante pelos lucros. Aqui temos a demonstração real de mais uma velha marca da particularidade da burguesia brasileira: a ausência de compromissos democráticos e com direitos sociais e políticos!
Por isso, nada a temer, continuamos na luta e reafirmamos:
Assistência Social é direito social!
Seguridade Social pública-estatal, universal e gratuita é possível!
Nenhum direito a menos!
Valorização dos/as trabalhadores/as já!
Fonte: Conselho Federal de Serviço Social (CFESS)