Está no Código de Ética da categoria: defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e do autoritarismo; ampliação e consolidação da cidadania, com vistas à garantia dos direitos civis sociais e políticos das classes trabalhadoras; defesa do aprofundamento da democracia; posicionamento em favor da equidade e justiça social, que assegure universalidade de acesso aos bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais, bem como sua gestão democrática.
Só esses quatro (dos onze) princípios que fundamentam o exercício profissional dos/as assistentes sociais já seriam bons argumentos para a categoria dizer não à contrarreforma da Previdência Social, apresentada na semana passada pelo Governo ilegítimo de Temer, que enviou ao Congresso Nacional no dia 6/12 a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 287/2016 para alterar as regras de acesso aos benefícios previdenciários. A proposta não é uma reforma, mas uma contrarreforma, já que ataca e acaba com direitos conquistados a partir da Constituição Federal de 1988.
Em meio a uma enxurrada de notícias sobre o tema, muitas repletas de argumentos falsos, é preciso que a categoria se informe sobre esta proposta do governo que atinge os direitos de trabalhadores e trabalhadoras do Brasil, entre essas, assistentes sociais.
A previsão para um futuro não muito distante é assustadora: o Brasil vai ter uma geração de pessoas que jamais se aposentarão ou terão acesso a direitos. A miséria se intensificará.
No caso da categoria de assistentes sociais, além de sofrer todos os impactos da contrarreforma como classe trabalhadora, ainda vai ter que lidar, a partir do desmantelamento das políticas sociais, com o desemprego e com o que o economista e professor da UnB, Evilásio Salvador, chamou de gerenciamento da barbárie. O que ocasionará, inevitavelmente, como alerta assistente social do INSS de Macaé (RJ) Marinete Moreira, o adoecimento coletivo de assistentes sociais.
Por isso, é tarefa do Serviço Social brasileiro resistir à contrarreforma. Juntar-se a outros sujeitos coletivos, se mobilizar. E se utilizar de uma das principais ferramentas de trabalho da categoria, que é a informação. É fundamental que assistentes sociais se informem sobre o que está em jogo no momento atual, para dialogar com quem mais será atingida pela regressão de direitos que o Brasil vive, que é a população mais pobre.
Listamos aqui algumas das principais mudanças se a contrarreforma da Previdência Social for aprovada pelo Congresso e quais serão os impactos na classe trabalhadora.
Para começo de conversa: não existe déficit da Previdência
Antes de falar das propostas contidas no pacto de contrarreforma da Previdência Social, é preciso descontruir o principal argumento do governo, repetido à exaustão nos últimos anos, para justificativa de desmonte da política: o tal “déficit” ou rombo previdenciário.
O economista Evilásio Salvador explica: “o que existe é uma batalha de números em torno da questão previdenciária. O governo mente para a população e não trata as informações sobre esta questão com a devida transparência”.
Em resumo, o professor da UnB entende que a questão do orçamento da Seguridade Social passa por três pontos importantes.
O primeiro é o de que a Seguridade deveria ser financiada conforme preconiza o artigo 195 da Constituição Federal de 1988, algo que, segundo ele, nunca aconteceu na prática. Ou seja, do conjunto de receitas que deveria financiar a Seguridade, parte desse valor deixa de ser arrecadado e alocado na Seguridade em razão das isenções fiscais para empresas e da Desvinculação de Receitas da União (DRU), que autoriza os governos a usarem livremente parte da arrecadação de impostos e contribuições em outras áreas ou para pagamento dos juros da dívida pública.
O segundo é que a conta que o governo faz é falaciosa, já que as receitas são subestimadas (pois não consideram as contribuições sociais e tributos) e as despesas são inchadas, pois incluem gastos que deveriam estar alocados no orçamento fiscal, conforme diz a Lei Orçamentária Anual.
O terceiro ponto tem a ver com a agenda política do governo brasileiro em transferir recursos do fundo público ao capital financeiro, como os fundos de pensão, rentistas, o que Evilásio chama de “classe de parasitária que vive de sugar o fundo público”.
A Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) lançou recentemente um vídeo didático que comprova que não existe déficit da Previdência Social, pelo contrário: que houve superávits sucessivos nos últimos anos.
Veja o vídeo: https://youtu.be/ximRnKLSKQk
“É uma irresponsabilidade do governo em propor restrições de acesso a direitos sem discutir de forma transparente os recursos previstos constitucionalmente para a Seguridade Social, sem discutir desoneração da folha de pagamento pelo capital, sem discutir renúncias fiscais existentes no país”, enfatizou Marinete Moreira.
Com o argumento do déficit desmascarado, e já revelada a intenção de privilegiar o mercado financeiro, é preciso listar as principais mudanças propostas pelo governo e os impactos na população.
Veja a seguir:
Ataque 1: Idade mínima obrigatória de 65 anos, tanto para homens e mulheres, e aumento do tempo de contribuição mínima de 15 para 25 anos.
A PEC proposta pelo Governo fixa uma idade mínima de aposentadoria de 65 anos tanto para homens quanto para mulheres (que, atualmente, podem se aposentar aos 60). A nova regra valerá para mulheres com até 45 anos e homens com até 50 anos. A proposta diz que será preciso um mínimo de 25 anos de tempo de contribuição, sendo que, atualmente, o tempo mínimo de contribuição é de 15 anos para a aposentadoria por idade.
Além disso, a nova regra diz que o cálculo do benefício (aposentadoria) passa a ser equivalente a 76% da média salarial mais um ponto percentual por ano de contribuição adicional (além dos 25 exigidos).
O impacto
Para se ter direito à aposentadoria integral (que terá o valor da média salarial ao longo dos anos trabalhados, não ultrapassando o teto do INSS) será preciso somar 49 anos de contribuição. Ou seja, para se aposentar com 65 anos e ter direito ao benefício total, as pessoas teriam que começar a trabalhar com 16 anos.
Se uma pessoa estudou serviço social dos 18 aos 22 anos e começou a trabalhar formalmente como assistente social aos 23, somente com 72 anos, se não houver nenhuma interrupção no vínculo empregatício, ela terá direito à aposentadoria integral.
A média de vida da população brasileira hoje é de 75,6 anos. Entretanto, se considerar a diferença dessa média por região (por exemplo, no Norte é de 72,2 e no Sul é de 77,8), uma parte considerável da população brasileira morrerá sem fazer jus à aposentadoria.
Para se ter uma ideia, em alguns municípios, esta média é abaixo dos 65 anos, isto sem contar a questão das pessoas que trabalham no campo, em que a expectativa de vida costuma ser inferior aos 60 anos.
“A proposta do governo é mortal e acaba não só com a Previdência, mas toda a Seguridade Social”, afirma a assistente social do INSS de Macaé (RJ), Marinete Moreira.
Isso porque ao se aumentar para 25 anos a contribuição obrigatória e estabelecer a idade mínima de 65 anos, muitas pessoas não conseguirão preencher os requisitos para aposentadoria, o que vai levá-las a requerer benefícios socioassistenciais, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC), que também passará a ter regras mais rígidas.
Soma-se a isso a privatização da saúde e o resultado será “uma massa de pessoas pauperizadas sem ter perspectiva de acesso a qualquer direito da Seguridade Social: Previdência Social, Assistência Social e Saúde”, completa.
Marinete Moreira ainda chama atenção para a perspectiva negativa que a proposta do Governo Temer passa para as pessoas que, ao perceberem que ficará mais difícil acessar o direito de se aposentar, não contribuirão para a Previdência.
“A tendência é o trabalhador ou trabalhadora que tem melhores condições busque planos privados de previdência. E o restante, a grande maioria, vai acabar utilizando de políticas compensatórias assistencialistas que, pelo teor da ‘contrarreforma’, não deverão sequer garantir a sobrevivência”.
O professor da UnB Evilásio Salvador chama atenção para outra questão. “Igualar a idade de aposentadoria para homens e mulheres é um absurdo completo, porque desconsidera a questão da tripla jornada das mulheres, a discriminação de gênero e a desigualdade do mercado de trabalho para elas”, ressalta.
Ataque 2: contribuição obrigatória por 15 anos e idade mínima de 65 anos para trabalhadores e trabalhadoras rurais
Nas regras atuais, trabalhadores e trabalhadoras rurais são segurados especiais e podem se aposentar aos 60 anos (homens) e 55 anos (mulheres). Têm esse direito sem ter cumprido a exigência de contribuir com a Previdência por 30 anos (mulheres) e 35 anos (homens). Para se aposentar, o trabalhador ou trabalhadora rural precisa comprovar que atingiu a idade de aposentadoria realizando atividades no campo. Além disso, podem contribuir com uma alíquota sobre sua produção.
Com as novas regras, a alíquota paga por estas pessoas será individual e obrigatória, e o trabalhador ou trabalhadora também precisará ter, no mínimo, 65 anos.
O impacto
De acordo com estudo da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), trabalhadores e trabalhadoras do campo começam sua atividade mais cedo, o que caracteriza a idade mínima indistinta como mais um fator de injustiça.
Segundo a entidade, número de pessoas no campo que começa a trabalhar antes dos 14 anos alcança até 78% dos homens e 70% das mulheres. Além de, normalmente, não haver formalização, são pessoas que, devido as condições extenuantes de trabalho, envelhecem precocemente.
Ou seja, trabalhadores e trabalhadoras rurais têm ainda mais risco de morrerem antes de conseguirem se aposentar.
A assistente social Marinete Moreira ainda avalia outros impactos. “Sabemos que estes/as trabalhadores/as rurais começam suas atividades laborais muito cedo, às vezes com 14 anos. E vemos hoje o sacrifício que é, com as regras atuais, para conseguirem se aposentar. A tendência é que essas pessoas, com as novas regras, não tenham mais acesso à Previdência e à Assistência, aumentando o processo de adoecimento e morte”.
Evilásio também comenta. “É uma situação repugnante esta proposta, dadas as condições de trabalho no campo. Esses/as trabalhadores/as já contribuem simbolicamente com um percentual sobre sua produção agrícola”.
Ataque 3: Benefícios para pessoas deficientes e idosas de baixa renda não terão mais o valor de um salário mínimo e as regras dificultarão o acesso
Pessoas beneficiárias da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) e do Benefício Assistencial de Prestação Continuada (BPC) poderão receber um valor inferior ao salário mínimo, tendo em vista que o benefício não será vinculado mais a este valor, e sim definido em lei.
Além disso, A idade mínima para essas beneficiárias passará de 65 anos para 70 anos, numa transição que durará 10 anos para a nova idade.
O impacto
Atualmente podem receber o auxílio/benefício pessoas idosas a partir dos 65 anos com renda familiar per capita de até 220 reais e também pessoas com deficiência, ou seja, inferior a um 1/4 do salário. Se o BPC é um benefício que permite que essas tenham acesso a condições mínimas de vida, o endurecimento das regras as deixará mais vulneráveis e em situação de abandono do Estado.
Além disso, como o valor não estará vinculado ao salário mínimo, a pessoa beneficiária poderá receber menos do que aquilo considerado o mínimo para a sobrevivência.
“A vinculação do BPC ao salário mínimo é uma conquista histórica da política de Assistência Social. Este benefício faz a diferença na vida de milhões de usuários e usuárias. Portanto, estas pessoa ficarão à margem, pois sequer terão o mínimo para sobreviverem”, alerta a assistente social.
Marinete ressalta que a proposta do Governo é uma verdadeira afronta e tornará a população mais pauperizada, principalmente aquelas pessoas que tiveram sua vida laboral na informalidade. “É comum a gente atender pessoas que realizaram trabalho doméstico a vida inteira sem vínculo formal, e que necessitam do BPC por não terem completado os 15 anos de contribuição para a aposentadoria. Imagina como vai ser agora?”, questiona.
Ataque 4: pensão por morte
O valor pago à viúva ou ao viúvo passará a ser de 50% do valor do benefício recebido pelo contribuinte que morreu com um adicional de 10% para cada dependente do casal. As pensões não serão mais vinculadas ao salário mínimo, mas num valor a ser definido por lei. Só receberá 100% da pensão aquela pessoa que tiver cinco filhos. Além disso, o valor extra pago por conta do número de dependentes não será agregado à pensão no momento em que dependentes completarem 18 anos. Também não será possível acumular esse benefício com outra aposentadoria ou pensão.
O impacto
Os valores da pensão poderão ser inferiores a um salário mínimo. Ou seja, nem o mínimo para sua sobrevivência as famílias terão com a morte do trabalhador ou trabalhadora que era responsável pelo sustento familiar.
A conselheira do CFESS e assistente social do INSS de João Pessoa (PB), Raquel Alvarenga, ainda alerta: “a pensão por morte é um beneficio instituído inicialmente para as mulheres e companheiras. A Constituição Federal de 1988 abrangeu os maridos e companheiros e, mais recentemente, companheiras/os das uniões homoafetivas. A dependência econômica do casal é presumida na legislação previdenciária e no Código Civil, ao vetar o acumulo dos benéficos, não se está levando em consideração a qualidade de vida construída anos a fio pelo casal, como também os gastos que são da família e não apenas de um membro. Ou seja, pior impossível, pois além de perder um ente da família, ainda tem um rebaixamento no orçamento doméstico, o que rebaterá inevitavelmente na qualidade de vida do viúvo ou viúva”, explica.
Regras de transição
Importante ressaltar que para todas as mudanças (inclusive as que não foram apresentadas aqui) haverá regras de transição, tanto para as mulheres com mais 45 anos e homens acima de 50 anos. O famoso “pedágio” será cobrado e pessoas que se aposentariam em quatro anos, por exemplo, terão que trabalhar dois anos a mais.
Mobilização da categoria é fundamental
“A categoria de assistentes sociais é de vanguarda na luta por direitos”, afirma Evilásio Salvador, destacando o protagonismo do Serviço Social, juntamente com toda classe trabalhadora, na resistência contra a regressão de direitos, como a contrarreforma da Previdência.
Marinete também faz um apelo neste sentido. “As propostas do Governo golpista de Michel Temer são uma afronta e um desrespeito à população, que se sustenta através do seu trabalho, cada vez mais expropriado pelo capital. Assistentes sociais, como classe trabalhadora, têm que se organizar e resistir. É preciso coletivizar as demandas individuais e dialogar com a população usuária no sentido de mobilização”, ressalta.
Nos mês de novembro ocorreu uma série de protestos e outras atividades contra as últimas propostas do Governo. O Conjunto CFESS-CRESS realizou a Mobilização de Assistentes Sociais contra a Regressão de Direitos, em todo o Brasil, no dia 30 de novembro, com adesão de todos os Conselhos Regionais e apoio do CFESS.
“Nosso posicionamento é contrário às contrarreformas do governo Temer. Por isso, precisamos fortalecer nossa unidade e debater o conteúdo das contrarreformas em curso, de modo a contribuir para o aprimoramento do trabalho profissional de assistentes sociais junto à população usuária”, ressalta Josiane Soares, coordenadora da Comissão de Orientação e Fiscalização do CFESS.
O CFESS vem também produzindo uma série de manifestos e notas contra o desmonte da Seguridade Social, que devem ser socializados com um maior número de pessoas.
“Não dá para a categoria se informar e reproduzir o discurso da mídia tradicional, que atua em favor do capital e do empresariado no Brasil. Assim, é preciso que assistentes sociais leiam o material que não só o CFESS, mas o Serviço Social brasileiro vem produzindo, denunciando o desmantelamento das políticas públicas e o esfacelamento dos direitos”, enfatiza a coordenadora da Comissão de Comunicação do CFESS, Daniela Neves.
A coordenadora da Comissão de Seguridade Social, Nazarela Rego, faz um alerta. “Ao longo dos seis meses deste governo, a Seguridade Social tem sido fortemente atacada, como estratégia para ampliar e socializar os custos da crise com a classe trabalhadora e reforçar as oportunidades de lucro para a burguesia. Em decorrência de todos esses ataques que atingem não só a categoria de assistentes sociais, mas toda a classe trabalhadora, o CFESS continuará encampando a campanha ‘Nada a Temer’, em defesa de Seguridade Social pública, estatal e universal”.
Para o próximo dia 13/12 está prevista outra grande mobilização, em Brasília (DF), para tentar barra a votação em segundo turno pelo Congresso da “PEC do Fim do Mundo” (PEC 55/2016).
Como ocorreu no dia 29 de novembro, são os movimentos populares, movimento estudantil e centrais sindicais que estão organizando este grande ato e é fundamental que a categoria participe. Importante lembrar que a PEC congelará os investimentos sociais por 20 anos.
Fonte: Site CFESS