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Racismo: um tema que não pode sair do nosso radar!
15 de outubro de 2020
ASCOM CRESS/MA

 

FONTE: CFESS

 

Casos de racismo que ganharam repercussão na mídia reforçam a continuidade de ações antirracistas de assistentes sociais, para além da campanha do Conjunto CFESS-CRESS.

 

Imagem mostra fotos estilizadas das entrevistadas Simone (cabelos cacheados e óculos ao centro), Marlise (com turbante, à esquerda) e Tales (barba e cabelo afro, à direita). No centro, a logo da campanha, um punho cerrado com um mapa da África ao centro.

Assistentes sociais que abraçaram a campanha Assistentes Sociais no Combate ao Racismo (arte: Rafael Werkema/CFESS)

 

Quando o Conjunto CFESS-CRESS, durante o triênio 2017-2020, promoveu a campanha Assistentes Sociais no Combate ao Racismo, incentivando debates e ações da categoria no enfrentamento ao racismo no cotidiano profissional, estava nítido que a partir daquele momento a pauta assumiria maior centralidade no Serviço Social.

 

O Brasil reproduz relações sociais e econômicas profundamente desiguais, que resultam de uma formação histórica racialmente fundada e que se materializa na vida cotidiana da população negra.

 

Isso pode ser evidenciado por meio de dados e fatos que demonstram como negras e negros, nas estatísticas de usuários/as de políticas sociais, estão associados aos maiores índices de subemprego e desemprego, pobreza, violações e violências, dentre outras condições que se originam da condição racial.

 

Diante desse contexto, o trabalho de assistentes sociais tem relação direta com as demandas da população negra que reside nos morros, nas favelas, no sertão, no campo e na cidade, e o combate ao preconceito é um compromisso do Código de Ética.

 

E recentes casos de racismo, que ganharam repercussão na mídia nas últimas semanas, servem de alerta para que assistentes sociais atentem para questão racial durante os atendimentos.

 

No “Setembro Amarelo”, mês em que normalmente se debate (e se enfrenta) o suicídio, uma única reportagem (do Estadão) trouxe um dado impactante: pesquisa divulgada em 2019 pelo Ministério da Saúde apontou que jovens negros, entre 10 e 29 anos de idade, foram as pessoas  que mais cometeram suicídio nos últimos quatro anos. E o racismo é, sem dúvida, um dos fatores de risco para suicídio.

 

“A primeira coisa que percebemos é que o próprio movimento do real tem nos convocado, cada vez mais, a não apenas reconhecer a existência e as nefastas consequências do racismo – e, com isso, desmistificar o mito da democracia racial – mas, sobretudo, a criar estratégias coletivas para seu enfrentamento”, aponta o assistente social, pesquisador e professor da Universidade Federal de Goiás, Tales Fornazier.

 

Segundo ele, o racismo estrutural é um elemento conformador das relações sociais e não um fenômeno patológico ou anormal. “Portanto, ele se materializa nos diversos âmbitos da vida social em desigualdades, violências e iniquidades às pessoas negras”.

 

Para Tales, que já trabalhou no Centro de Referência de Assistência Social de Guará (SP), o racismo, por ser estrutural, se coloca como a “forma normal” de funcionamento das instituições, as quais, não raras vezes, serão responsáveis por reforçar os processos de sofrimento derivados do racismo, exatamente por não reconhecerem as particularidades que envolvem a raça. Inclusive o suicídio.

 

Imagem mostra ilustração de homem negro no canto, isolado e desanimado, com uma tarja vermelha sobre seu rosto e a palavra racismo atrás. Abaixo, o dado de que a taxa de suicídio é 67% maior em homens negros.

Dados do Ministério da Saúde de 2019 apontam que o índice de suicídios é maior entre homens negros (arte: Rafael Werkema/CFESS)

 

O que leva a outro caso envolvendo a temática do racismo, que ganhou repercussão na mídia também em setembro. Leandro Antônio Eusdacio Xavier, em Jabaquara, na capital paulista (SP), havia saído para buscar o filho de 11 anos para passar o fim de semana com ele, quando foi alvo de ataques racistas.

 

O vídeo gravado pelo próprio Leandro flagra o momento em que ele sofre a agressão racista: "É preto, macaco, e aí? Preto, macaco, chimpanzé. Posta que eu vou te processar e pegar dinheiro. Xingo o quanto quiser, tenho carta branca. Preto, macaco, chimpanzé, orangotango. Vai, posta", gritou a agressora. Na reportagem, Leandro destaca a dor que sentiu ao sofrer o ataque racista.

 

Marlise Vinagre, professora da UFRJ, reforça que a realidade de pessoas negras no Brasil é “resultante de quase quinhentos anos de opressão, de sujeição, de violência racial, saque étnico, cultural, inclusive religioso, e de uma abolição que foi meramente formal, praticamente uma farsa”.

 

Segundo ela, o racismo hoje tem suas raízes num racismo estrutural e estruturante, num racismo institucional que constituí a formação social, econômica e política do Brasil.

 

Opinião compartilhada por Tales Fornazier, que afirma que é preciso olhar para essa realidade, numa perspectiva de totalidade, para enxergar que negros e negras são as pessoas mais ultraexploradas da classe trabalhadora, o que leva a categoria a construir mediações para combater o racismo no seu cotidiano profissional.

 

“Nosso Projeto Ético-político se articula com um projeto societário de emancipação humana, e isso nos demanda também estarmos colados/as nas lutas concretas e imediatas do conjunto mais geral da classe trabalhadora, tendo nítido que não há oposição entre as lutas antirracista, anticapitalista e também antissexista”, destaca.

 

Racismo religioso

Também em São Paulo, mas agora na cidade de Araçatuba, um caso de racismo religioso ganhou repercussão nacional, após veiculação de reportagem no Fantástico e no Uol.  

 

Uma mãe perdeu a guarda da filha de 12 anos por 17 dias, após a criança passar por um ritual de iniciação no candomblé, que envolve raspar a cabeça.

 

A ação foi movida pelo Conselho Tutelar da cidade, que recebeu denúncias de maus-tratos e abuso sexual. Como uma delas foi feita pela avó da menina, que é evangélica, a defesa da família afirma que o caso é de “intolerância religiosa”.

 

Nenhuma das denúncias foi comprovada. Em depoimento, a criança chegou a relatar que não estava sofrendo qualquer tipo de abuso, mas, sim, passando por um ritual de iniciação do candomblé, do qual ela tinha ciência.

 

Quem acompanhou esse caso foi o Comitê de Assistentes Sociais no Combate ao Racismo em São Paulo, que, ao tomar conhecimento da história, promoveu várias ações sobre o caso.

 

O Comitê é resultado direto da campanha do Conjunto CFESS-CRESS e vem dando continuidade ao debate no estado.

 

“Quando tomamos conhecimento da história, imediatamente nos reunimos para discutir ações para dar visibilidade a este fato que, para nós, ficava evidente que se referia a uma possível prática de racismo estrutural religioso”, explica a assistente social Simone dos Santos, que integra o Comitê de Assistentes Sociais no Combate ao Racismo e é diretora da Seccional de Araçatuba (CRESS-SP).

 

O Comitê divulgou  um manifesto sobre Laicidade do Estado e Racismo na infância e realizou um debate virtual com o mesmo tema, disponível no YouTube do Coletivo Círculo de Leitura.

 

 

Debate realizado pelo Comitê de Assistentes Sociais no Combate ao Racismo.

 

“A repercussão e visibilidade dada pelo Comitê a essa discussão ampliou os debates sobre a perpetuação das práticas racistas e discriminatórias em vários espaços sociocupacionais, através das múltiplas vertentes do racismo, seja ele religioso, recreativo, ambiental, estrutural e institucional. As ações colocaram em destaque as novas roupagens do racismo que se dissimulam de proteção via Estado”, avalia Simone.

 

Para ela, a mobilização de vários sujeitos, como o Centro Cultural Obadará Africanidade e o Ponto de Leitura Preta Obadará, que foram os primeiros responsáveis por denunciar que o caso era de racismo religioso, e o próprio Comitê, foi um recado direto para o Sistema de Justiça, de que a sociedade civil organizada está atenta, acompanhando os desdobramentos da ação e exercendo, de forma prática e crítica, o controle social.

 

Simone conta ainda que esse enfrentamento coletivo ao racismo religioso, sofrido por mãe e filha, gerou uma repercussão positiva e ampliou o debate, não apenas “dentro do serviço social (nos conselhos de direitos, em demais áreas do saber e no sistema de garantia de direitos)”, mas também em toda a cidade.

 

Sobre o caso em Araçatuba, a assistente social e professora da UFRJ, Marlise Vinagre, que é também Yalorixá (Mãe-de-Santo no candomblé), também reforça que houve racismo religioso contra a religião de matriz africana. Segundo ela, racismo religioso se trata da rejeição, aversão ou até mesmo ódio a um grupo étnico que tem nos credos e nas práticas religiosas africanas ou das várias etnias africanas.

 

“Chamou a atenção o fato de Conselho Tutelar e o Ministério Público terem uma celeridade pouco observada em outras situações, o que nos faz pressupor de que o racismo está muito arraigado às estruturas institucionais brasileiras, deixando a nu o fato de que as instituições não são neutras, ao contrário, elas são instituições a serviço dos interesses de classe, a serviço dos interesses da branquitude, além de estarem impregnadas pelo valor eurocentrismo” critica Marlise.

 

Cartaz traz imagem de uma Mãe de Santo olhando e lamentando o terreiro que foi depredado. A imagem é um explícito flagrante de intolerância religiosa. No topo do cartaz, o slogan Minha fé não é motivo para sua violência, e em letras menores, apresenta-se o dado de que 40% dos registros de discriminação religiosa são contra religiões de matrizes africanas e afro-brasileiras

Uma das peças da campanha denunciou o racismo religioso (Arte: Rafael Werkema/CFESS)

 

Exercício profissional sem discriminação

Dentro da reportagem do Fantástico sobre o caso de Araçatuba, outro relato chamou a atenção, e tem a ver diretamente com o resultado do exercício profissional de assistente social e também da postura racista do próprio Estado.

 

A jornalista e pesquisadora da UFF, Rosiane Rodrigues, contou seu drama também de perder a guarda do filho por um período, em Rio das Ostras (RJ), após uma assistente social relatar, no relatório de visita domiciliar, que Rosiane tinha muitas imagens de entidades do candomblé em sua casa.

 

A visita da assistente social, cujo objetivo era regulamentar as visitas do ex-marido de Rosiane após separação do casal, acabou se transformando em um laudo etnocêntrico e preconceituoso. O caso pode ser lido na íntegra também no relatório “Por uma cultura de direitos humanos – direito a uma vida sem violência (2013)”, da então Secretaria de Direitos Humanos.

 

“Nossa atuação profissional deve ser pautada na liberdade como um valor ético central, na plena autonomia e a plena expansão dos indivíduos sociais, articulados à defesa dos valores da democracia, do pluralismo de ideias, de não preconceito e de não discriminação”, enfatiza a professora Marlise Vinagre, retomando o Código de Ética da categoria e outras normativas que balizam a profissão  e que são “instrumentos da garantia democrática em termos da defesa da sociedade e dos usuários e usuárias contra interesses particularistas”. “Portanto, esses valores estão e devem estar acima de interesses e convicções pessoais”, destaca Marlise.

 

A assistente social de Araçatuba, Simone dos Santos, traz outros elementos para que a categoria fique atenta durante o exercício profissional.

 

“Culturalmente, fomos educados/as e ensinados/as a temer, demonizar e julgar as religiões que não seguem o padrão branco, eurocêntrico e cristão. Sempre ouvimos chavões carregados de senso comum sobre as mais diferentes religiões existentes em nosso país. Contudo, são as comunidades tradicionais de terreiro que têm seus solos sagrados invadidos, incendiados e devastados, pois o Estado e a sociedade tratam essas religiões com a mesma violência que se trata o povo preto até os dias atuais, uma vez que estas religiões remetem diretamente à memória e ao culto de África”, explica.

 

Nesse sentido, Simone também provoca: “enfrentar esta questão passa diretamente pela compreensão de que fomos socialmente construídos/as para desvalorizar, desqualificar e desumanizar todas as manifestações diversas do padrão branco, patriarcal e europeu, seja na religião, na estética, no conhecimento científico, enfim. É preciso reconhecer que somos ignorantes acerca das práticas religiosas das comunidades tradicionais de terreiro. Que não sabemos que dentro de um terreiro toda uma comunidade se encontra, se reconhece e se conecta com o sagrado. Passa necessariamente por reconhecer que o princípio da liberdade, expresso em primeiro lugar no nosso Código de Ética, é o norteador das nossas práticas profissionais. A todo momento do nosso exercício profissional precisamos nos perguntar para quem estamos servindo? Qual o impacto concreto e imediato da nossa atuação profissional na vida das pessoas e comunidades?”, indaga.

 

O vídeo da campanha também abordou o racismo religioso (Arte: Rafael Werkema/CFESS)

 

 

Continuidade do debate e ações de combate ao racismo

A Plenária Nacional CFESS-CRESS, que ocorreu de modo virtual entre os dias 2 e 4 de outubro de 2020, definiu as ações do Conjunto para o próximo triênio.

 

Entre o leque de ações definidas estão aquelas de continuidade de debate sobre a temática, criação de comitês (a exemplo de São Paulo) e de ações de enfrentamento ao racismo no exercício profissional.

 

“Para além da campanha, o debate deve permanecer de forma sistemática nas análises de conjuntura, nos debates acerca dos projetos societários em disputa, seja por meio da inserção e intensificação deste debate sobre o racismo religioso e racismo institucional, entre outras expressões”, defende Marlise Vinagre.

 

Ela reforça a importância da articulação das entidades do Serviço Social (CFESS-CRESS, Abepss e Enesso) para continuidade das ações no campo da educação e formação, manutenção da articulação com movimentos negros, entre outras.

 

Por fim, Marlise ressalta que é fundamental ter o debate sobre o racismo não só no currículo, na formação profissional, tanto na disciplina específica, obrigatória, “mas que sejam feitos debates transversais no Conjunto” com perspectiva pedagógica, formativos da identidade da profissão, e que usuários e usuárias tenham informações sobre como deve ser o atendimento do/a assistente social.

 

Imagem mostra o livro da campanha, aberto em uma página que traz uma ilustração da cabeça de uma mulher negra com um mapa do Brasil simbolizando um turbante.

Livro lançado em junho de 2020 traz o registro histórico da campanha (Arte: Rafael Werkema/CFESS)

 

 

Na avaliação de Simone dos Santos, não há dúvidas de que a pauta antirracista deva seguir na agenda da categoria.

 

“Agora é nossa responsabilidade enquanto categoria profissional dar concretude às inúmeras propostas apresentadas pelo Comitê e pela campanha. A discussão sobre raça, gênero e classe precisa atravessar efetivamente as nossas avaliações, os nossos laudos e pareceres, os nossos planejamentos, uma vez que a população que atendemos tem cor, gênero e classe explicitamente marcados”, enfatiza.

 

Simone destaca também: “em todos os dados estatísticos de mortalidade, de subemprego, de violência estrutural, institucional e familiar estamos ali taxados, esticados, derrubados, violentados e mortos. Não é mais possível mantermos as práticas colonialistas revestidas de novas formas; não podemos mais ignorar e naturalizar a violência em nossos corpos. Daqui para frente, não dá para voltar atrás”, finaliza.

 

 

Baixe o livro da Campanha de Gestão (2017-2020) – ‘Assistentes sociais no combate ao racismo’

 

Visite o site e divulgue as peças, que continuam atuais!

 

 

 

Conselho Regional de Serviço Social do Maranhão / CRESS-MA

Gestão "Nosso Nome é Resistência" – 2020/2023

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