FONTE: CFESS
Confira a nova entrevista da série do CFESS que debate a atuação profissional durante a pandemia do Covid-19.
Arte: Rafael Werkema/CFESS
Uma das defesas históricas do Conjunto CFESS-CRESS refere-se aos direitos da pessoa idosa no Brasil. Defesa que remete ao debate sobre o enfrentamento da exploração e segregação, de modo que seja possível sua participação ativa nas relações sociais, econômicas, políticas e civis: a superação da ideia de que idosos/as se tornam “incapazes” ou “dependentes”.
Sabe-se que, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), idoso é todo indivíduo com 60 anos ou mais. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE/2019), o Brasil tem mais de 28 milhões de pessoas nessa faixa etária, número que representa 13% da população do país. População que, por sua vez, constitui parcela de usuários/as atendidos/as por assistentes sociais.
Assim, em meio à pandemia do novo Coronavírus, o CFESS entrevistou a assistente social Rosimeri Cristina Maria, que trabalha na Associação Promocional e Assistencial de Toledo/PR (APA lar dos idosos). A profissional falou da rotina de trabalho e os cuidados com os/as idosos, as orientações de prevenção e controle, conforme documentos de órgãos oficiais e também refletiu sobre o papel do Serviço Social.
Confira abaixo!
CFESS – As instituições de longa permanência de idosos (ILPIs) do Sistema Único de Assistência Social (Suas) contam hoje com mais de 83 mil idosos/as. A pandemia do novo Coronavirus (Covid-19) os/as coloca como principal grupo de risco. Como a instituição tem trabalhado para cuidar e, assim, evitar uma propagação em massa?
Rosimeri – A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) lançou, no dia 21 de março de 2020, a Nota Técnica nº 5, em que recomenda orientações para a prevenção e controle de infecções pelo novo Coronavírus (sars-cov-2) aplicáveis às Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPI) – (o documento está disponível no site do CFESS, clique aqui).
A ILPI em que trabalho está seguindo as orientações, assim como a Recomendação Administrativa nº 02/2020, do Ministério Público do Estado do Paraná, que prevê mudanças necessárias na rotina de atendimento das ILPIs em tempos de pandemia. Em relação às mudanças na rotina, algumas ações foram intensificadas, como o uso do álcool em gel, e outros cuidados foram implantados, como o uso de máscaras por toda a equipe e a troca de todas as vestimentas e calçados antes de adentrar a instituição.
Os/As idosos/as e equipe são monitorados/as quanto aos sintomas e situação de saúde e houve a suspensão das visitas. Os/As residentes da instituição que possuem algum vínculo familiar mantêm contato por meios de comunicação alternativos, como ligações, videochamadas e fotos enviadas para os/as familiares. A partir da adequação do serviço aos cuidados gerais previstos nas normativas, coube também a socialização de informações junto aos/às idosos/as sobre a atual situação do novo Coronavírus e as mudanças realizadas na ILPI. Os/As idosos/as que se ausentavam da instituição foram orientados/as sobre a necessidade do isolamento social. E, sempre que necessário, a equipe os/as relembra sobre os cuidados necessários implantados na rotina, buscando o bem-estar da coletividade.
Nos espaços de convivência, ocorre o distanciamento de um/a morador/a para outro/a e busca-se sempre manter os locais bem ventilados. Informações sobre as precauções estão disponíveis à equipe, que foi previamente orientada. Logo no início da campanha, os/as acolhidos/as e a equipe receberam a vacina para Influenza (H1N1), ofertada pelo Sistema Único de Saúde (SUS), sistema que necessita ser valorizado pela sociedade brasileira, desmistificando que o serviço privado tem maior qualidade que o público, e que constantemente tem sido atacado por meio da redução de recursos. Para cuidar da parte de convivência e interação entre os/as moradores/as, a equipe técnica intensificou as atividades internas. Sendo as rodas de conversas, oficinas, os jogos, todas executadas em ambiente externo e com as devidas precauções.
CFESS – Como você avalia o fechamento dos serviços de convivência em todo o país, quais impactos para a vida dos/as idosos/as?
Rosimeri – As pessoas idosas, em algumas ocasiões, passam pelo isolamento e situações de risco pessoal e social a que a própria família as submete, e buscam, nos serviços que o poder público ou que a sociedade oferta, uma forma de socialização. Vejo que a não abertura destes serviços ao público em geral, nesse momento se fez necessária, prezando primeiramente pela proteção à saúde de pessoas idosas, que fazem parte do grupo de risco.
Por outro lado, existe uma possibilidade de surgirem outras demandas, por causa do isolamento social (necessário neste período). Muito se fala de alternativas pela internet, das redes sociais para ocorrer a socialização virtual, mas a questão é que esta faixa etária da população nem sempre faz uso de meios de comunicação pela internet, por mais que os idosos/as tenham aumentado o uso das redes sociais. Então, é importante pensar em alternativas de interação para este público, como: a indicação de leituras; os jogos; jogos individuais para estímulo e incentivo de artesanato, para aqueles/as idosos/as que ainda conseguem executar tal atividade. Penso que cabe, às equipes de trabalho destes locais, preparar materiais sucintos e que possam ser acessados por estes/as idosos/as de forma que não comprometa sua saúde.
CFESS – Os governos estaduais e municipais têm criado programas para hospedagem solidária de idosos/as, para tentar conter a disseminação do novo Coronavirus. Como você avalia essas ações?
Rosimeri – Ações pontuais, mas com uma finalidade produtiva. Muitas famílias não possuem condições de realizar o isolamento social e, como é de conhecimento da população, os/as idosos/as são os/as mais afetados/as, caso cheguem a contrair a Covid-19.
Pelo que tive conhecimento sobre um dos programas de governo, o programa “Sua Vida Vale Muito” (implantado no DF), este é composto por duas ações, uma delas a hospedagem/hotelaria solidária, que abrange idosos/as com independência para realizar atividades do cotidiano.
Ao analisar o referido programa, surgem alguns questionamentos: os/as idosos/as que não podem ser isolados/as, que dependem de cuidados de terceiros, mas que possuem risco de ser contaminados/as, terão acesso a que políticas/serviços/programas? As ILPIs, na grande maioria, já atendem em sua capacidade máxima. Penso que acolher mais idosos/as, na condição de dependência total de terceiros/as, demandaria mais recursos e investimentos.
Acredito que os programas devem sim atender às maiores demandas, mas também devem ser pensados de uma forma ampla. Serviços que atendem a idosos/as lúcidos/as e ativos/as demandam menos gastos. Vivemos em uma sociedade em que o sistema oferece os mínimos e devemos lutar para ter mudanças. O sistema capitalista não está preocupado com vidas e as políticas públicas são insuficientes e paliativas. A desigualdade social é nítida em nosso país e é sentida na forma mais dura pelas famílias de baixa renda, público-alvo das políticas públicas desenvolvidas.
Na atual conjuntura, como isolar um/a idoso/a que reside em uma casa com muitas outras pessoas? Porém o programa é válido, por dar visibilidade a este público, também pela realização do cadastro de pessoas que podem colaborar, realizando alguma atividade para um/a idoso/a, como uma ida ao mercado. Mas devemos pensar em ações e investimentos para os/as idosos/as que dependem de cuidados de forma integral.
CFESS – Como você avalia o impacto desse contexto para o trabalho de assistentes sociais?
Rosimeri – Penso que, antes mesmo de o/a profissional atender o/a usuário/a, precisa ser atendido/a nas demandas básicas de segurança no âmbito do trabalho. Ou seja, o espaço de atuação precisa prever os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) que a ocasião requer. Na ILPI em que trabalho, os EPIs necessários estão sendo fornecidos e, caso a pessoa na equipe apresente algum sintoma, é afastada sem desconto na remuneração.
Trabalhar em uma ILPI traz grandes responsabilidades, pois sabemos que nós (equipe, não somente o/a assistente social) somos vetores – mecanismos de transmissão do vírus – e compreendemos o risco que podemos trazer ou propiciar para os/as usuários/as do serviço que prestamos. Para preservar a saúde de um/a, é necessário preservar, primeiramente, de forma ampla/abrangente, começando pela equipe.
Os conselhos de classe e outros espaços prepararam materiais de orientação, para este período de pandemia, que auxiliam muito na elaboração da intervenção nas demandas cotidianas. Em muitas ocasiões, ações simples, mas que salvam vidas. Acho relevante ressaltar que não são todos os espaços/equipamentos que estão fornecendo o básico para proteção de profissionais. Penso que devemos lutar pelos direitos dos/as profissionais. Nós, assistentes sociais, somos trabalhadores/as que lutam por direitos, e por que não lutar pelos nossos dentro dos nossos próprios espaços de atuação?
Outro ponto importante é a reflexão profissional com as mudanças que o momento exige. Assistentes sociais, juntamente com equipe de atuação, devem pensar em estratégias diferenciadas, para continuar garantindo os direitos dos/as atendidos/as, conforme local de atuação. A importância do trabalho em rede se faz necessária, vejo que ainda mais neste período de pandemia, em que muitos serviços suspenderam temporariamente o atendimento ao público. É necessário repensar estratégias de atendimento, para que os/as usuários/as dos serviços não sejam prejudicados/as, principalmente nos atendimentos que não podem ser adiados. Garantindo primeiramente a continuidade do isolamento social, sempre que possível.
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Conselho Regional de Serviço Social do Maranhão / CRESS-MA
Gestão "Resistência e Luta" – 2017/2020