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Coronavírus: e quem trabalha na política de assistência social?
18 de junho de 2020
ASCOM CRESS/MA

 

FONTE: CFESS

 

CFESS segue com a série de entrevistas, para debater sobre a atuação profissional na pandemia.

 

Imagem mostra assistente social negra com máscara de proteção e jaleco, dentro de um círculo. Fora dele, desenhos representando o coronavírus. Ao centro, o texto CFESS Entrevista: e quem trabalha na política de assistência social?

Arte: Rafael Werkema/CFESS 
 

A assistência social é uma política pública prevista na Constituição Federal de 1988 e também  direito de cidadãos e cidadãs e dever do Estado brasileiro. Essa política também se constitui como um amplo campo de trabalho de grande número de assistentes sociais no país. Por isso, o CFESS segue com a série de entrevistas com profissionais dos mais diferentes espaços, para debater sobre a atuação da categoria na linha de frente do combate à pandemia do novo Coronavírus (Covid-19).

 

O tema de hoje é a atuação de assistentes sociais na assistência social. O CFESS conversou com a conselheira Kelly Melatti, que é trabalhadora do Sistema Único de Assistência Social (Suas) na Prefeitura da Cidade de São Paulo. Segundo ela, que está vendo na prática as dificuldades e desafios da atuação em meio à pandemia, é preciso fortalecer ainda mais a ideia de que a assistência social é uma política essencial.

 

“As pessoas estão percebendo que é preciso de mais financiamento para a assistência social, para garantir o atendimento à população, especialmente com a crise econômica, desemprego e desigualdade social que têm se intensificado”, avalia a assistente social. Confira abaixo!


 

CFESS – Sabemos que a política de assistência social é um dos espaços que mais emprega assistentes sociais atualmente no Brasil. Estando esses/as profissionais também na linha de frente do combate ao novo Coronavírus (Covid-19), quais os principais desafios colocados e como podem ser enfrentados pela categoria no Sistema Único de Assistência Social (Suas)?

 

Kelly – A pandemia escancarou as insuficiências do Suas – equipes desfalcadas, número de Cras, Creas, Centros Pop deficitários, em face da população a ser atendida, contratos de trabalho precarizados, ausência de política sólida de educação permanente, incapacidade de gestão da assistência social em todos os níveis, desrespeito, por parte do Executivo, às instância de controle social, dentre outras.

 

Ousaria destacar que um dos principais desafios para os/as trabalhadores/as do Suas, intensificado com a pandemia mundial, é o pseudo reconhecimento, por parte do Executivo, de que a assistência social é política essencial e a ausência  de financiamento público que indique a honestidade desse reconhecimento. Há uma retórica sendo difundida de que os serviços de assistência social são essenciais [e são], mas não há recurso financeiro suficiente que, de fato, materialize esse 'reconhecimento' acerca da sua essencialidade.

 

Com isso, os serviços que atendem a população continuam deficitários, em vários aspectos, em face das demandas de atendimento que possuem, e os/as trabalhadores/as na linha de frente, sobretudo nos Cras, Creas e Centros Pop, são chamados/as a gerenciar o caos, a traduzir o não direito e, com total ausência de informações sobre programas governamentais desse período, se veem na tarefa de socializar informações que mais desinformam do que qualquer outra coisa. As ações executadas que caminham na perspectiva da segurança de acolhida, sobrevivência e convivência encontram sustentação no compromisso ético político de cada trabalhador/a, mas não encontram ressonância em decisões de gestão, em termos de respostas coletivas de política pública que, de fato, consolidem a assistência social como política que assegura proteção social a quem dela necessitar.

 

CFESS –  O Conselho Federal tem recebido dúvidas da categoria sobre os equipamentos de proteção individual (EPIs): a falta desses equipamentos nas unidades, quais são indicados para atendimento ao público, ou seja, o que remete à garantia de condições éticas e técnicas de trabalho para assistentes sociais. Na atual conjuntura de pandemia, como os/as assistentes sociais podem lutar por essas condições, inclusive contando com o apoio dos Conselhos Profissionais?

 

 

Kelly – A demanda por EPIs é algo que tomou a cena das principais reivindicações por parte dos/as trabalhadores/as do Suas e ainda é muito recorrente em vários espaços. A questão é ampla e merece nossa atenção sobre alguns aspectos.

 

O primeiro aspecto é sobre a disponibilidade dos EPIs para os trabalhos desenvolvidos nos serviços do Suas: muitos lugares não contam com quantidades mínima desses equipamentos ou, ainda, quando contam, a qualidade é duvidosa. Pesquisas da FGV (2020) revelam que cerca de 61,5% dos/as trabalhadores/as do Suas não receberam EPIs para os trabalhos diários. Há casos de disponibilização de álcool gel em embalagens sem rótulo, de máscaras de pano (que, em absoluto, não podem ser alternativa de proteção no trabalho profissional) ou, ainda, de máscaras sem qualquer descrição sobre normas e padrões que são seguidos (ou não) para sua confecção.

 

Outro aspecto, além desse que já é muito grave: as gestões não se ocuparam de tratar sobre as especificidades dos serviços de assistência social e o correspondente uso adequado de EPIs. Os/As trabalhadores/as do Suas contam, tristemente, muitas vezes, com informações da mídia comum de como usar os EPIs, como se o uso doméstico fosse compatível com o uso por parte de profissionais que trabalham 6 horas seguidas em serviço de convivência para população em situação de rua, por exemplo que, nos grandes centros urbanos, chegam a atender mais de 200 pessoas por período. Ainda, os serviços de alta complexidade, que oferecem acolhimento para idosos/as, pessoas com deficiência, crianças e adolescentes, mulheres, dentre outros, sequer contaram com orientações específicas. Estudos da FGV (2020) indicam que 87,02% de trabalhadores/as da assistência social não receberam nenhum tipo de treinamento para o trabalho na pandemia e, então, de novo, recai sobre o/a trabalhador/a a responsabilidade individual por busca de informações – nem sempre as mais adequadas – que, minimamente, respaldem o seu trabalho. Essas buscas, em geral, são feitas no 'tempo livre', gerando demanda extra de trabalho não remunerado e, sobre isso, poderíamos fazer inúmeras análises no campo do desgaste físico e mental que está posto para esse segmento de trabalhadores/as. Sem contar o número de casos de contaminados/as e, infelizmente, de óbitos que acometeram e acometem esses/as profissionais.

 

Enfrentar esse problema é uma tarefa coletiva, pois se trata de um cenário que não afeta apenas os/as assistentes sociais, mas o conjunto de trabalhadores/as do Suas, que têm, inclusive, um contingente expressivo de trabalhadores de nível fundamental e médio. Os conselhos profissionais podem e devem contribuir com esse enfrentamento, divulgando denúncias públicas sobre essas ausências, construindo pareceres e orientações sobre o uso adequado de EPIs, incentivando a categoria profissional a somar na luta sindical por ramo de atividade, apoiando ações coletivas dos fóruns de trabalhadores/as do Suas e sindicatos por ramo de atividade, sejam elas no campo político ou judicial, demandando providências dos/as empregadores/as sobre questões que afetam as condições para o desempenho do trabalho profissional.

 

Os/as trabalhadores/as do Suas não podem se identificar com a ilusão de que são heroínas ou heróis do tempo presente, isso é uma falácia romântica que remonta a práticas espontaneístas e voluntaristas, que nada contribuem para o fortalecimento do Suas enquanto política pública. Na ausência de EPI, para garantir proteção a si e à sociedade, os/as profissionais podem se negar a atender, mas, sobretudo, se esse extremo acontecer, é necessário que o sistema de justiça e demais órgãos de defesa de direitos humanos sejam acionados, pois não é possível naturalizarmos que, em tempos tão difíceis, as políticas sociais permaneçam tão sucateadas a ponto de não conseguirem oferecer condições mínimas de trabalho para seus/suas agentes.

 

Imagem mostra foto da assistente social Kelly Melatti dentro de um círculo. Fora dele, desenhos representando o coronavírus. Ao centro, o texto CFESS Entrevista, o nome da assistente social e o local de atuação profissional.

Arte: Rafael Werkema/CFESS 

 


CFESS – Sobre a possibilidade de atendimento remoto nos equipamentos de assistência, como avalia a questão, na conjuntura da pandemia?

 

 

Kelly – Sobre esse ponto, acho importante destacar que não há receita do que pode e do que não pode ser feito de forma remota no campo das ofertas socioassistenciais. Esse exercício precisa ser construído pelas equipes de trabalho, observando as especificidades de cada situação. Esse aspecto é muito relevante, porque o que temos visto são decisões verticalizadas, que pouco ou nada dialogam com os/as trabalhadores/as e usuários/as do Suas, para a sua implementação.

 

Ora, como uma política que deve assegurar convívio, sobrevivência e acolhida, e que depende, sobremaneira, do campo relacional estabelecido entre profissional e usuários/as, não escuta esses sujeitos para definir as estratégias de atendimento essencial em tempos de crise sanitária da monta de uma pandemia mundial?

 

As recomendações de saúde, de não aglomeração e não realização de atividades presenciais em grupos devem ser rigorosamente seguidas no campo da assistência social, pois o isolamento/distanciamento social é apontado pelos organismos internacionais como a única alternativa de diminuição de contágio do novo Coronavírus. No entanto, a máxima do "fique em casa" não encontra ressonância, de forma generalizada, no campo da assistência social e níveis de atenção, com relação à proteção básica e especial, precisam ser adequados a essa nova realidade. Penso que a pergunta que precisamos nos fazer não é "o que fazer ou não fazer", mas sim "porque fazer ou não fazer".

 

A saída coletiva, no meu entendimento, é a construção de planos de trabalho que possam explicitar de que forma os serviços podem ser oferecidos à população usuária, tendo como horizonte o compromisso de assegurar acesso aos direitos e sem deixar de considerar que a seguridade social é muito mais ampliada e que não é a assistência social sozinha ou isoladamente que garantirá a proteção social esperada para a população brasileira.

 

CFESS –  Assistentes sociais têm consultado os Conselhos também sobre a questão da autonomia profissional, em relação à possibilidade de que a própria categoria possa planejar suas ações profissionais e as formas de atendimento aos/às usuários/as. Esse seria um horizonte possível? Se sim, quais as mediações necessárias e possíveis?

 

 

Kelly – Esse é um campo em construção, que tem relação direta com as atribuições e competências legais estabelecidas pelas normativas do Conjunto CFESS-CRESS, mas não só. Tem a ver com um campo relacional, de luta política dentro e fora das instituições, para que as possibilidades de realização dessa autonomia possam ser alargadas.

 

A pandemia, mais uma vez, só escancarou essa questão das requisições institucionais equivocadas ou arbitrárias para assistente sociais, mas não se trata de uma demanda nova. Há tempos, vivenciamos uma tendência à subalternização da política de assistência social em face de outras e, sobretudo, em face de requisições do Poder Judiciário.

 

Atualmente, vários espaços do sistema de justiça, por exemplo, estão em teletrabalho, o que é esperado e recomendado, mas isso não pode ser uma porta aberta que autorize essas instâncias a demandarem suas tarefas aos serviços de assistência social que continuam em funcionamento presencial, com risco de desresponsabilização de outras instâncias, para além dos serviços de assistência social ou, ainda, de confusão entre as ofertas de proteção social e as ações de responsabilização, que são próprias do sistema de justiça.

 

Então, a tarefa coletiva de defesa do Suas é fundamental, para que esse campo da autonomia profissional possa ser alargado e para que a concepção de assistência social como uma política de ofertas específicas possa ser respeitada. Essa perspectiva pode atuar na correlação de forças existentes na sociedade como um todo, não só na assistência social, impulsionando o campo de acesso a direitos como prioritário na agenda de lutas.

 

Conheça a seção especial Covid-19 no site do CFESS, com notícias, legislações e informes

 

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